terça-feira, 27 de setembro de 2011

Ação revisional de Contrato bancário

http://www.investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/direito-civil/2244-da-acao-revisional-de-c

Tiago Augusto de Macedo Binati *
Das Cláusulas Potestativas

                     Muito comum em contratos bancários, que como já dito, são firmados por adesão, evidenciar-se inúmeras cláusulas abusivas e desproporcionais, que colocam o consumidor em nítida desvantagem em face da Instituição Financeira.

                     Tais cláusulas, consideradas potestativas, unilaterais, devem ser reputadas nulas por sentença, de modo a restabelecer o equilíbrio contratual, não deixando o consumidor/correntista, como verdadeira marionete nas mãos dos bancos. 

                     Importante salientar no que tange a nulidade de cláusula contratual por ofensa ao CDC, que esta pode ser declarada nula de ofício, ou seja, sem necessidade de pedido expresso. 

                     O CDC é claro ao traçar a conduta ética que deve ser tomada pelo fornecedor de um serviço, vedando, inclusive, a existência de cláusulas abusivas em contratos, conforme artigos que valem ser analisados abaixo:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
[...]
V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
[...]
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
[...]
X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;
[...]
XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que:
[...]
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
[...]
§ 4° É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.

O artigo 52 do estatuto consumerista, por sua vez, trata exatamente do fornecimento de crédito ou concessão de financiamento, onde o fornecedor deverá observar algumas exigências legais, arroladas no citado artigo 52, a saber:

Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:
I - preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional;
II - montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;
III - acréscimos legalmente previstos;
IV - número e periodicidade das prestações;
V - soma total a pagar, com e sem financiamento.
§ 1° As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento do valor da prestação.(Redação dada pela Lei nº 9.298, de 1º.8.1996)
§ 2º É assegurado ao consumidor a liquidação antecipada do débito, total ou parcialmente, mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos.
§ 3º (Vetado).

Iguais disposições são encontradas no Código Civil, que também veda a existência de cláusulas potestativas.

Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.

Desta forma, valendo-se da Ação Revisional, o correntista poderá requerer a nulidade das cláusulas inseridas em contrato que lhe acarretem onerosidade excessiva e conseqüente benefício em demasia ao banco.

Dos Juros

Chegamos ao tema mais tortuoso que envolve a Ação Revisional de Contrato Bancário.

O revogado Art. 192, §3º, da Constituição Federal, antes das mudanças inseridas pela Emenda Constitucional n.º 40 de 19 de maio de 2003, assim dispunha:

Art. 192. [...]
§3º - As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punindo, em todas as modalidades, nos termos que a lei determinar.

O que causou a revogação do artigo acima transcrito, além de interesses alheios, foi justamente a necessidade de uma lei complementar que regulamentasse o citado artigo, visto ser uma norma de eficácia limitada, ou seja, que dependia da edição de uma nova lei que o tornasse auto-aplicável.

Assim, quanto a cobrança de juros superiores a 12% ao ano, a discussão sobre a auto-aplicabilidade do Art. 192, §3º, da CF, perdeu seu objeto ante a revogação de referida norma. Não bastando isso, o Excelso Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 648, firmando a tese de que aquela norma não era auto-aplicável.

Também o Decreto n.º 22.626/33, conhecido como Lei da Usura, não se aplicam às instituições financeiras, conforme Súmula 596 do STF.

Partindo desse pressuposto, o STJ tem entendimento assente de que com o advento da Lei n.º 4.595/64, que dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias, e criou o Conselho Monetário Nacional, as limitações insculpidas pelo Decreto n.º 22.626/33 não se aplicam aos contratos celebrados com instituições financeiras no que tange a limitação de juros em 12% ao ano.

Mas ainda assim, a cobrança de juros abusivos continua defesa em nosso ordenamento jurídico, em especial pelas disposições do CDC. Porém, não bastam meras alegações de abusividade. Estas devem ser efetivamente demonstradas ante um caso concreto, com a devida fundamentação e respaldo jurídico e técnico, que muitas vezes se manifesta através de parecer de assessor pericial, de forma que reste claro que as taxas que incidiram sobre a conta corrente em análise, discreparam consideravelmente do disposto em contrato ou da média de mercado.

Mesmo com a edição de Súmulas que regulamentam a matéria, tanto pelo STJ como pelo STF, os mais diversos tribunais do país têm sido praticamente unânimes no sentido de que, na ausência de contrato válido nos autos, ou seja, nos casos em que a instituição financeira não apresenta o contrato em contestação, os juros devem ser recalculados tendo por parâmetro a máxima de 12% ao ano.

Os juros também devem ficar neste patamar, nos casos em que, mesmo apresentando o contrato regularmente firmado entre as partes, se mostra facilmente perceptível a abusividade na cláusula que o regulamenta, como em contratos em que as instituições financeiras dispõem que “os juros serão computados conforme a média de mercado”.

Ora, citada cláusula nada mais é do que uma “carta branca” maliciosamente obtida pelo banco para lançar juros em conta ao seu talante. Assim, evidente tratar-se de cláusula capciosa, leonina, que deve ser considerada nula, permitindo o expurgo dos juros excessivamente cobrados em conta ante o recálculo financeiro e posterior repetição do indébito.

Desta forma, não havendo contrato válido nos autos, ou nos casos em que a cláusula que regulamenta os juros for considerada leonina, deve prevalecer a taxa legal, que, conforme disposição do art. 406 do Código Civil, é de 1% ao mês, prevista no art. 161, §1º, CTN.

Há como se aferir, inclusive, a nulidade de contratos de empréstimo firmados com a instituição financeira, se restar evidenciado que os mesmos foram feitos para saldarem débito em conta corrente, já viciado há longa data por lançamentos indevidos de juros, encargos e tarifas bancárias.


5.         Da possibilidade de requerer a instituição requerida contratos e extratos mediante exibição de documentos

Dificuldade comumente enfrentada em ações revisionais, é a obtenção de documentos que possibilitem a discussão dos valores cobrados pelas instituições financeiras e conseqüente deferimento do pedido postulado em juízo. 

Entre tais documentos, estão os contratos firmados entre o correntista e o banco, dos quais os correntistas raramente têm acesso, e os extratos da conta corrente durante os longos períodos de movimentação financeira.

Ressalte-se que as instituições financeiras têm a obrigação de conservar referidos documentos pelo prazo prescricional, nos termos do Artigo 18 do Dec. 1.799/96, que proclama:

Os microfilmes originais e os filmes cópias resultantes de microfilmagem de documentos sujeitos à fiscalização, ou necessários à prestação de contas, deverão ser mantidos pelos prazos de prescrição a que estariam sujeitos respectivos originais.

Assim, ante a dificuldade de obter os documentos que justifiquem a procedência da pretensão aduzida em juízo, há a possibilidade de se postular pedido de exibição de documentos fulcrado no Art. 355 do Código de Processo Civil, inclusive, sob pena de serem reputados verdadeiros os fatos alegados pelo autor da ação e que se provariam com a exibição de tais documentos, conforme dispõe o Art. 359 do citado diploma processual civil.

Tendo em vista a obrigatoriedade de guarda dos documentos pelo prazo prescricional, a recusa na exibição dos mesmos não é admitida, conforme redação do art. 358, CPC, sendo que na falta dos documentos, indispensáveis a fiel solução da lide, o magistrado deverá ordenar o recálculo da conta corrente desde a sua abertura, com a cobrança de juros limitados em 12% ao ano, e isso, justamente pela falta de previsão contratual.

Na prática, na grande maioria das vezes, as instituições financeiras anexam aos autos os extratos de toda movimentação financeira do autor da ação, deixando de apresentar os contratos que justificariam todos os lançamentos discutidos através da ação revisional, ou então, apresentam contrato de adesão repleto de cláusulas nulas e que não podem espelhar a realidade dos fatos. 

Conclusão

Ante as inúmeras cobranças abusivas não raramente ofertadas pelas instituições financeiras, bem como, pelo corriqueiro endividamento de correntistas que necessitam utilizar o limite disponível em conta corrente, aliado ao entendimento já pacificado pelos Egrégios Tribunais do país, mostra-se, a Ação de Revisão Contratual, verdadeira arma legal a ser utilizado pelo consumidor na defesa de seus direitos.

Os lucros anualmente apresentados pelos bancos, batendo recorde em cima de recordes, talvez se justifiquem pela má gerência das movimentações financeiras dos correntistas, bem como, pela conhecida pressão exercida sobre os funcionários dos bancos no cumprimento de metas, que certamente, ainda que de maneira indireta, inflam os saldos devedores em conta corrente por todo o país.

Assim, cabe a nós, operadores do direito, valer-nos dos ditames legais, com parcimônia e responsabilidade, no escopo de restabelecer o almejado equilíbrio contratual nas relações entre correntista e instituição financeira, não permitindo o aumento arbitrário dos lucros em face do endividamento coletivo.



* Advogado, membro de escritório Angeli & Junqueira Advogados Associados sediado em Maringá-PR, pós-graduado em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná.



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